segunda-feira, 26 de maio de 2008

O judiciário e as políticas públicas no Brasil.

Matthew M. Taylor realiza uma análise sobre o judiciário e as políticas públicas no Brasil.

Descato a importância do tema. Há studos sobre as questões relacionadas a judicialização da política na literatura nacional. Contudo, como afirma o autor, a ciência política nem tem estudado o tema com a intensidade desejada. Aqui reside a maior contribuição do autor com a apresentação deste texto.

Abaixo seguem a referência e as conclusões do autor. O artigo pode ser consultado na internet.
TAYLOR, Matthew M. The judiciary and public policies in Brazil. Dados [online]. 2007, vol. 50, no. 2 [cited 2008-05-26], pp. 229-257. Available from: . ISSN 0011-5258. doi: 10.1590/S0011-52582007000200001


"É amplamente reconhecido que, embora o Judiciário não possua "nem a bolsa nem a espada"13 –, ou seja, nem os poderes orçamentários do Legislativo nem os poderes coercitivos do Executivo –, ele tem um considerável poder político como depositário da fé pública nas regras do jogo. O Judiciário desempenha um papel central na determinação e aplicação de princípios tanto constitucionais quanto ideais, tais como o Rechstaat ou état de droit. Ele decide quais regras são legítimas e estão em concordância com as leis locais ou a Constituição, assim como quais ações (ou omissões) representam aberrações ou infrações. Como resultado, os tribunais influenciam o curso das políticas públicas: tribunais e juízes influenciam o tipo de políticas que são implementadas e julgam a legalidade dessas políticas dentro da sua visão das regras legais existentes e das normas e tradições vigentes.

A ciência política reconhece, há pelo menos meio século, que o Judiciário preenche um papel político como uma instituição "para a tomada das decisões sobre questões controversas da política nacional" (Dahl, 1957:279). É sabido que muitas vezes os requerentes usam o Judiciário como mais uma oportunidade ou instância política – um "venue" – e não como fonte de verdades constitucionais e legais. E se reconhece que os juízes freqüentemente operam com base em critérios outros que os unicamente legais quando julgam processos importantes. Mesmo quando eles se mantêm constrangidos por critérios totalmente legais, pela própria natureza da revisão judicial, eles acabam tomando decisões que influenciam ou até criam políticas públicas (ver Ferejohn, 2002).

No entanto, freqüentemente existe uma percepção pública de que há algo errado nessa atuação política dos tribunais no processo de formulação de políticas públicas. Pode até ser que o Judiciário prefira ocultar sua atuação atrás de um muro legalista, para tentar preservar sua legitimidade como o único poder não escolhido através de procedimentos abertamente democráticos. Certamente, a crescente judicialização e o conseqüente crescimento do impacto judicial em quase todo o mundo trouxeram consigo uma mudança no discurso sobre a influência judicial na política e, em especial, uma crítica muito forte, por parte dos poderes eleitos, aos "legisladores não-eleitos". Mas é preciso reconhecer a importância dessa função política judicial e mais, sua inevitabilidade. Embora o conceito da separação dos poderes conduza a três instituições claramente distintas, as funções judiciais, legislativas e executivas dessas instituições não são caprichosamente separadas em nítidas caixas institucionais como às vezes supomos. Existe uma sobreposição das funções das três instituições, como o Quadro 2 ilustra, diante da qual não é de surpreender que o Judiciário tenha algum efeito no processo de formação de políticas públicas. Afinal, como disse Ehrmann: "A autoridade do Judiciário para declarar leis e atos oficiais inconstitucionais é [...] um ato judicial que dá aos juízes uma participação óbvia no processo político, [deixando pouco espaço] para a proposição de que os juízes apenas apliquem a lei" (1976:138).

Analiticamente, então, é simples concluir que o Judiciário pode ser melhor incorporado às nossas análises do sistema político brasileiro. Normativamente, as coisas estão menos resolvidas e há uma certa ambigüidade que sempre cercará a atuação do Judiciário na política, tanto em termos da teoria democrática quanto na questão da formulação efetiva e eficaz das políticas públicas. É muito comum em todo o mundo reclamar da interferência de juízes na política. Mas é importante reconhecer, como o fazem Werneck Vianna e Burgos (2005:781-782), o papel democratizante do Judiciário, agindo tanto como um "muro de lamentações" quanto como "uma efetiva arena para o exercício da democracia", em uma democracia na qual a relação entre Executivo e Legislativo foge do ideal. Da mesma forma, quando pensamos o Judiciário do ponto de vista da formulação de políticas públicas, existe certa tensão normativa. Há um reconhecimento de que um Judiciário que pode contrariar o governo pode ser melhor tanto em termos econômicos (ver Castelar Pinheiro, 2003:185) quanto em relação à durabilidade dos resultados das políticas públicas. O Judiciário é fundamental para atingir o equilíbrio entre duas características: decisiveness, a eficiência na tomada de decisões pelo sistema político, e resoluteness, a capacidade do país de seguir um percurso estável e pouco errático em termos da adoção e implementação das políticas públicas14. Em um país onde o Judiciário não cria empecilhos à atuação do Executivo, o sistema político pode ser muito eficiente na tomada de decisões, mas pode sofrer fortes oscilações de políticas públicas entre governos (vide Argentina na última década)".

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