segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Desmistificando o tempo médio de julgamento dos processos

Reproduzo um excelente texto que desmistifica o tempo médio de julgamento do processo. O autor José Carlos Bonato, assessor de planejamento e gestão do TRF 4ª Região, aponta com propriedade a utilização de recursos de estatística para sustentar a sua tese. Vale a pena conferir.
"O Uso da Média como Indicador
No Poder Judiciário como um todo, a celeridade no processamento judicial é um objetivo permanente, inclusive para a redução do acervo pendente de julgamento. Dito de outra forma, além de dar conta da demanda jurisdicional atual, há que diminuir os estoques remanescentes.
Para enfrentar esta questão, procura-se inicialmente fazer um levantamento da situação a fim de diagnosticá-la e estabelecer ações. Normalmente, busca-se identificar o quantitativo de processos julgados (ou baixados), relacionando-o ao tempo que cada um destes consumiu em sua tramitação ou, se em relação ao acervo, ao tempo que o processo encontra-se no respectivo órgão.
Os dados que constituem a base de toda informação a ser analisada neste propósito, precisam ser resumidos. Assim, são utilizados normalmente para a composição de médias (média aritmética ou ponderada), estas de fácil obtenção. Basta que para cada processo seja verificada a data de autuação (ou distribuição) e a data de julgamento (ou de baixa), somar todos estes intervalos em dias e dividir pelo quantitativo de processos considerados, quando se estiver interessado no tempo de julgamento ou de baixa.
A partir daí, a média passa a ser considerada indicador gerencial, utilizada para avaliar sua adequação frente às metas estabelecidas (quando existentes), possibilitando, então, ações de correção que visem ao seu alcance ou, até mesmo, a ajustes em metas eventualmente submensuradas. De qualquer forma, em ambos os casos o indicador – gerado pela média – ocupa a centralidade da análise, em caráter indispensável para o gerenciamento, de acordo com a máxima da Administração o que não é medido não é gerenciado.
Ocorre que a média é uma medida de tendência central. Tal como a mediana, dá o valor do ponto em torno do qual os dados se distribuem. Sabe-se também que a média é tanto mais apropriada para descrever um conjunto de dados quanto mais simétrica for a distribuição, ou seja, a média pode representar melhor a tendência central quando os valores estão distribuídos simetricamente em torno da mesma, o que normalmente não ocorre quando se trata de processos julgados.
Assim, pode-se entender que a média tomada de forma isolada não permite uma boa interpretação da situação e, por conseguinte, deixa de considerar aspectos relevantes, quiçá desconhecidos por parte dos usuários que se valem desta informação.
Enfim, qual o problema?!
Ao saber que a média representa todos os valores de uma distribuição (quociente da soma de n valores por n), pode-se dizer, em exemplo bem simples, que uma pessoa com a cabeça à temperatura de 60ºC e os pés à temperatura de – 10ºC apresenta uma temperatura corporal de 25ºC. Nada mal! A questão da média, portanto, é que, ao ser representativa de todos os valores, ao considerar os extremos, pode distorcer a compreensão da real situação sob análise.
E no caso dos processos? Neste caso específico, há aqueles que foram solucionados rapidamente e há os mais antigos que, por uma série de circunstâncias, tiveram a tramitação interrompida ou restaram muito tempo no aguardo do processamento. Isto, certamente irá distorcer os cálculos em função do grau de dispersão.
Quanto à dispersão, conhecê-la é medida complementar indispensável para qualificar a informação e, neste sentido, a Estatística nos socorre com o cálculo de dispersões, como a variância, o desvio padrão e o coeficiente de variação.
Dentre estas medidas, pode-se evidenciar o desvio padrão. Como regra, quanto maior o desvio padrão, maior a dispersão das variáveis em torno da média, ou seja, mais os valores diferem da média. Logo, uma mesma média pode estar vinculada a situações totalmente diversas, estas sinalizadas pelo desvio padrão correspondente. As inferências devem decorrer desta análise.
Exemplificando, ao considerar o tempo de 4 entregas de 3 empresas (A, B e C) conforme a tabela abaixo, verifica-se que a média do tempo de entrega é a mesma. Porém, qual a empresa tem todos os tempos de entrega mais próximos da média? Se tivesse que optar por uma delas, sobre qual recairia a escolha ?
Empresa Tempo das entregas (dias) Média (dias) Desvio padrão (dias)
A 4 6 4 6 5 1,15
B 9 1 5 5 5 3,27
C 9 1 2 8 5 4, 08
Como pode ser observado, o desvio padrão aumenta quando a dispersão das variáveis sob análise (tempo de entrega) também aumenta, identificando a dispersão.
Um desvio padrão pode ser considerado elevado ou não dependendo da ordem de grandeza da variável, isto é, um desvio padrão de 10 pode ser considerado pouco significativo se a média correspondente for 100, mas muito expressivo se esta média for 8.
A questão posta, então, é a utilização da média com a complementação de outra medida que informe a dispersão dos dados (desvio padrão) a fim de enriquecer e, mais que isso, assegurar um diagnóstico mais preciso sobre o evento enfocado.
Ao trazer estas considerações para a realidade da movimentação processual, a média tomada como medida exclusiva a informar o tempo de julgamento, quando o desvio padrão for elevado, deve ser usada com certa reserva para comparações. Neste caso, o uso da mediana – outra medida de tendência central, que indica o tempo médio de 50% dos valores analisados igual ou menor a média – pode ser um importante complemento à análise.
Aplicando-se a um exemplo prático, ao levantar-se o tempo médio de julgamento dos processos no TRF4ªR no 1º semestre de 2008, chegou-se a 335 dias, considerados 50.906 processos no período. Em complementação da análise, o desvio padrão calculado foi de 500 dias. Até aqui, estas informações indicam a existência de um alto grau de dispersão, ou seja, a existência de muitos processos julgados em tempos mínimos e outros tantos com elevados tempos de permanência nos órgãos julgadores.
Mas ao avançar na análise calculando a mediana, descobre-se que 25.509 processos (50,1% do total de julgados) tiveram um tempo inferior ou igual a 106 dias para o julgamento.
Diante do exemplo, fica evidenciado que enquanto a média nos informa de uma forma muito abrangente que o tempo entre a autuação e o julgamento de um processo "típico" está próximo a 335 dias, a mediana especifica esta informação, conferindo-lhe maior qualidade, ao indicar que 50,1% (cerca de metade) dos processos tiveram este mesmo tempo com valores iguais ou inferiores a 106 dias.
Enfim, é neste sentido que – com a disponibilidade de outras tantas medidas que a Estatística pode alcançar –, a utilização de medidas complementares à média no diagnóstico de situações, ainda mais as relacionadas à movimentação processual, reveste-se de meio indispensável ao tratamento de dados com a finalidade de gerar informações mais precisas e de maior qualidade, cujo objetivo é o planejamento e a adoção de ações que visem ao aperfeiçoamento do atendimento ao jurisdicionado, inclusive quanto à transparência, e, em última análise, ao cumprimento da missão constitucionalmente instituída"

Nenhum comentário: