terça-feira, 20 de janeiro de 2009

GAZA E ISRAEL

Posto abaixo duas interessantes reflexões sobre o conflito na faixa de Gaza.
Até onde a ignorância esconde, invisibiliza, oprime a verdade dos fatos?
Por outro lado, até onde os interesses comezinhos são elevados a condição de verdade muitas vezes incontestáveis ou pouco contestáveis?

Artigo - Réquiem por Israel?
* Boaventura Sousa Santos.
Está ocorrendo na Palestina o mais recente e brutal massacre do povo palestino cometido pelas forças ocupantes de Israel com a cumplicidade do Ocidente, uma cumplicidade feita de silêncio, hipocrisia e manipulação grotesca da informação, que trivializa o horror e o sofrimento injusto e transforma ocupantes em ocupados, agressores em vítimas, provocação ofensiva em legítima defesa.
As razões próximas, apesar de omitidas pelos meios de comunicação ocidentais, são conhecidas. Em novembro passado a aviação israelense bombardeou a faixa de Gaza em violação das tréguas, o Hamas propôs a renegociação do controle dos acessos à faixa de Gaza, Israel recusou e tudo começou. Esta provocação premeditada teve objetivos de política interna e internacional bem definidos: recuperação eleitoral de uma coligação em risco; exército sedento de vingar a derrota do Líbano; vazio da transição política nos EUA e a necessidade de criar um facto consumado antes da investidura do presidente Obama. Tudo isto é óbvio mas não nos permite entender o ininteligível: o sacrifício de uma população civil inocente mediante a prática de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade cometidos com a certeza da impunidade.
É preciso recuar no tempo. Não ao tempo longínquo da bíblia hebraica, o mais violento e sangrento livro alguma vez escrito. Basta recuar sessenta anos, à data da criação do Estado de Israel. Nas condições em que foi criado e depois apoiado pelo Ocidente, o Estado de Israel é o mais recente (certamente não o último) ato colonial da Europa. De um dia para o outro, 750.000 palestinos foram expulsos das suas terras ancestrais e condenados a uma ocupação sangrenta e racista para que a Europa expiasse o crime hediondo do Holocausto contra o povo judeu.
Uma leitura atenta dos textos dos sionistas fundadores do Estado de Israel revela tudo aquilo que o Ocidente hipocritamente ainda hoje finge desconhecer: a criação de Israel é um ato de ocupação e como tal terá de enfrentar para sempre a resistência dos ocupados; não haverá nunca paz, qualquer apaziguamento será sempre aparente, uma armadilha a ser desarmada (daí, que a seguir a cada tratado de paz se tenha de seguir um ato de violação que a desminta); para consolidar a ocupação, o povo judeu tem de se afirmar como um povo superior condenado a viver rodeado de povos racialmente inferiores, mesmo que isso contradiga a evidência de que árabes e judeus são todos povos semitas; com raças inferiores só é possível um relacionamento de tipo colonial, pelo que a solução dos dois Estados é impensável; em vez dela, a solução é a do apartheid, tanto na região, como no interior de Israel (daí, os colonatos e o tratamento dos árabes israelenses como cidadãos de segunda classe); a guerra é infinita e a solução final poderá implicar o extermínio de uma das partes, certamente a mais fraca.
O que se passou nos últimos sessenta anos confirma tudo isto mas vai muito para além disto. Nas duas últimas décadas, Israel procurou, com êxito, sequestrar a política norte-americana na região, servindo-se para isso do lobby judaico, dos neoconservadores e, como sempre, da corrupção dos líderes políticos árabes, reféns do petróleo e da ajuda financeira norte-americana. A guerra do Iraque foi uma antecipação de Gaza: a lógica é a mesma, as operações são as mesmas, a desproporção da violência é a mesma; até as imagens são as mesmas, sendo também de prever que o resultado seja o mesmo. E não se foi mais longe porque Bush, entretanto, se debilitou. Não pediram os israelenses autorização aos EUA para bombardear as instalações nucleares do Irã?
É hoje evidente que o verdadeiro objetivo de Israel, a solução final, é o extermínio do povo palestino. Terão os israelenses a noção de que a shoah com que o seu vice-ministro da defesa ameaçou os palestinianos poderá vir a vitimá-los também? Não temerão que muitos dos que defenderam a criação do Estado de Israel hoje se perguntem se nestas condições - e repito, nestas condições - o Estado de Israel tem direito de existir?
Fonte: Agência Carta Maior


• Artigo – Gaza
*José Saramago
A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registradas como refugiados.
Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos.
Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel.
Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente atualizado.ISRAEL
Não é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos venha repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá com Israel a "relação especial" que liga os dois países, em particular o apoio incondicional que a Casa Branca tem dispensado à política repressiva (repressiva é dizer pouco) com que os governantes (e porque não também os governados?) israelitas não têm feito outra coisa senão martirizar por todos os modos e meios o povo palestino.
Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá com verdugos e criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não conte com a aprovação da gente honesta. Outros presidentes colegas seus o fizeram antes sem precisarem de outra justificação que a tal "relação especial" com a qual se deu cobertura a quantas ignomínias foram tramadas pelos dois países contra os direitos nacionais dos palestinos.
Ao longo da campanha eleitoral Barack Obama, fosse por vivência pessoal ou por estratégia política, soube dar de si mesmo a imagem de um pai estremoso. Isso me leva a sugerir-lhe que conte esta noite uma história às suas filhas antes de adormecerem, a história de um barco que transportava quatro toneladas de medicamentos para acudir à terrível situação sanitária da população de Gaza e que esse barco, Dignidade era o seu nome, foi destruído por um ataque de forças navais israelitas sob o pretexto de que não tinha autorização para atracar nas suas costas (julgava eu, afinal ignorante, que as costas de Gaza eram palestinas…). E não se surpreenda se uma das suas filhas, ou as duas em coro, lhe disserem: "Não te canses, papá, já sabemos o que é uma relação especial, chama-se cumplicidade no crime".

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