Entre o óbvio e a insensatez. Ou, Ficha Limpa para todos
Publicado em 27/02/2012 | Rhodrigo Deda • rhodrigodeda@gmail.com
No retorno das festas carnavalescas, a Assembleia Legislativa do Paraná bem que poderia realizar uma reforma para lá de necessária na Lei da Ficha Limpa estadual. A regra, sancionada pelo governador Beto Richa (PSDB) em 6 de dezembro do ano passado, proíbe o governo do estado de nomear para cargo em comissão pessoas que receberam condenação definitiva por atos de improbidade administrativa, após a publicação da lei. Entretanto, a norma terá de ser alterada, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser constitucional o dispositivo da Lei Complementar 135 que impede condenados por um colegiado de magistrados a se candidatar para cargos públicos. Os deputados já deram sinais que podem realizar essa mudança, mas seria bom que aproveitassem a oportunidade para ampliar a proibição de nomear fichas sujas para comissionados, a fim de atingir todos os municípios paranaenses.
Impedir
que prefeitos e vereadores do Paraná possam nomear fichas-sujas para
cargos de confiança, evitaria polêmicas desnecessárias como aquela
ocorrida em Iretama, divulgada pela Gazeta do Povo no sábado passado. A
Câmara de Iretama aprovou, em primeiro turno, uma emenda que retira da
Lei Orgânica do município a proibição de pessoas com ficha suja serem
nomeadas para cargos em comissão. A justificativa dos vereadores é que
a regra havia sido criada para atingir apenas uma pessoa – o atual
secretário de Saúde da cidade – que teve as contas reprovadas pelo
Tribunal de Contas em 2003.
É absurdo o argumento dos vereadores. Primeiro porque a proibição de
fichas-sujas prevista na Lei Orgânica é genérica e vale para todos os
que se enquadrarem na situação preestabelecida. Segundo porque o
município é pequeno, com população de pouco mais de 10 mil habitantes e,
em uma cidade de dimensões modestas, é natural que sejam mais raras as
condenações por atos lesivos ao patrimônio público. Portanto, o fato de
apenas uma pessoa hoje ser afetada pela proibição dos fichas-sujas, não
significa objetivamente que a regra foi feita contra ela.
Ao derrubar a Ficha Limpa municipal com a intenção de supostamente
corrigir uma injustiça, a Câmara de Iretama comete um mal maior – o de
abrir as portas da administração pública a pessoas que já tiveram seus
maus comportamentos comprovados na condução dos negócios públicos.
Possíveis obstáculos
É possível que ao estender a Lei da Ficha Limpa estadual para os
municípios, possa ter de se enfrentar alguns obstáculos. Há quem diga
que a ampliação da Ficha Limpa estadual para as prefeituras resultaria
em uma invasão indevida sobre a competência legislativa dos municípios.
Para aqueles que pensam assim, o assunto deveria ser tratado pelos
vereadores em cada uma das câmaras municipais. Isso porque uma lei
estadual estaria interferindo de forma indevida na auto-organização
dos municípios.
Pode até ser verdade. Porém, até uma possível disputa judicial sobre a
invasão de competência ter fim, a regra da ficha limpa estaria evitando
que prefeitos incautos cometessem a barbaridade de nomear pessoas já
condenadas.
De outro lado, a eventual discussão sobre validade da Lei da Ficha
Limpa estadual para os municípios não deveria ser motivo para que a
Assembleia evitasse legislar sobre o tema. Projetos flagrantemente
inconstitucionais, como o plano de previdência dos deputados, já foram
votados e aprovados pela Casa no passado. Então, seria no mínimo
estranho usar o argumento da inconstitucionalidade da proposta. Até
porque, como já se viu, a norma só trará benefícios para a administração
pública.
Cultura da prudência
Esse debate todo, entretanto, está fora de foco. É até ultrajante para o leitor ter de enfrentar tantas linhas sobre o tema.
Não deveria ser necessário que a sociedade tivesse de pressionar os
Poderes Legislativos – nacional, estadual ou municipal – para que
produzissem leis contra fichas sujas na política ou na administração
pública. Partidos políticos jamais deveriam dar legenda para
fichas-sujas se candidatarem. E governantes eleitos jamais deveriam
empregá-los em suas administrações. É desconcertante o fato que
governantes possam desprezar a noção de moralidade púbica, ao admitir em
cargos de confiança pessoas já condenadas em segunda instância, por
colegiados de magistrados ou pelo Tribunal de Contas do Estado. Confiar
em pessoas que comprovadamente cometeram ilegalidades não parece sensato
nem prudente. Só mesmo aqui, no Brasil, precisamos de leis para proibir
o óbvio.
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