As Faculdades de Direito da Universidade Estadual de Ponta
Grossa e da Universidade de Coimbra sob uma perspectiva luso-brasileira: um
olhar brasileiro a partir de solo português.
Vinícius Dalazoana
viniciusdalazoana@yahoo.com.br
No início do ano de
2011, soube, a partir de uma pesquisa realizada no site do Escritório de
Assuntos Internacionais da Universidade Estadual de Ponta Grossa, que
recentemente havia sido firmado um convênio com a Universidade de Coimbra, para
a implementação de um programa de mobilidade acadêmica internacional. Esta
possibilidade significava a abertura de uma porta já há muito almejada, de modo
que rapidamente busquei os documentos requeridos pela instituição lusitana e
efetuei a inscrição – ou, como preferem nossos amigos portugueses, os “os
procedimentos de candidatura”. No início de maio, recebi a aceitação da
candidatura proposta, e, de setembro a dezembro do mesmo ano, cursei o primeiro
semestre do ano letivo 2011/2012. No presente momento, está em curso o segundo
semestre do referido ano, que terá seu encerramento com os exames no mês de
junho.
Com base nesta já não
tão pequena experiência, assim como em debates com outros acadêmicos da UEPG
que estão realizando o mesmo programa– razão pela qual a redação deste texto
pode ser considerada bastante democrática e indiretamente coletiva – intenciono
traçar um breve comparativo entre os cursos de Licenciatura – formato adotado
em Portugal – e de Bacharelado – como denominamos na instituição campesina – em
Direito.
Alguns dos aspectos mais
marcantes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra são sentidos logo
nos primeiros dias. É que é impensável – para não dizer impossível – adentrar o
pátio universitário mediante a porta férrea e não se deixar impressionar com a
imponência da construção medieval. Tudo aqui é tendencialmente magnífico: a
Reitoria, o Instituto Jurídico, a Biblioteca Joanina (construída com muito ouro
de timbre verde e amarelo) a Capela de São Miguel, a Sala dos Capelos, enfim,
somente quem aqui esteve tem a exata noção do se está a descrever. Turistas do
mundo todo – com especial referência aos muitos orientais e aos sempre
presentes brasileiros – diariamente revelam em suas expressões o encanto
causado por esta Universidade.
Por outro lado, embora
as críticas aos procedimentos burocráticos da Universidade Estadual de Ponta
Grossa não sejam poucas, um aluno conimbricense – coimbrão, ou ainda
coimbrense, conforme se prefira – que, porventura, viesse a estudar em nossa
Universidade de origem, sentir-se-ia num pólo de avançados procedimentos
administrativos e invejável desburocratização! Exageros a parte, a verdade é
que arcaísmos ainda imperam na organização administrativa da Instituição
coimbrã, com muito mais força – por incrível que possa parecer – do que na
UEPG. Apenas para citar um exemplo: os alunos de mobilidade estudantil, como
eu, possuem uma caderneta, em papel, na qual os professores assinalam a nota
obtida nas avaliações e subscrevem-na, muito semelhantemente aos boletins que,
em nossa infância, eram recebidos pelos pais no dia de entrega dos resultados;
assim, uma pergunta que ronda a comunidade brasileira é qual seria a solução
para o caso de alguém perder ou extraviar o seu “boletim”? Ainda não sabemos a
resposta.
Ainda no que respeita à
estrutura física das Faculdades comparandas, é preciso destacar – ainda que o
faça com pesar – a colossal diferença, seja em termos quantitativos, seja em
termos qualitativos das suas respectivas bibliotecas. É que, para além da
biblioteca da Universidade Estadual de Ponta Grossa, já em si mesma, deixar a
desejar – problema que tem sido diminuído com o notável esforço das últimas
gestões do Centro Acadêmico Carvalho Santos –, a biblioteca da Universidade
coimbrense tem um espólio bibliográfico que ocupa, neste momento, cerca de sete
mil metros de prateleiras, nas quais se distribuem aproximadamente quatrocentos
mil volumes existentes – entre livros e revistas.
Talvez o ponto de maior
destaque de nossa instituição em relação à Faculdade de Coimbra seja, porém, a
relação de proximidade que existe entre docentes e discentes. De fato, não
conheço nenhum acadêmico brasileiro que esteja em Coimbra e não sinta falta
desta característica das nossas universidades. As conversas que se desenrolavam
nos corredores do prédio do Curso de Direito, no – para mim – saudoso “Bloco
A”, a abordagem sem um formalismo excessivo, o respeito que não se confunde com
temor referencial, e, porque não dizer, as oportunidades de encontro fora da
ambiência universitária possibilitam verdadeiras amizades, dão margem a
profícuos contatos profissionais e, indubitavelmente, catalisam o processo de
aprendizagem.
Este distanciamento
profissional que se vivencia em Coimbra radica, possivelmente, numa
característica que lhe é muito marcante e perpassa toda a dinâmica coimbrã: o
seu formalismo. Com efeito, este apego às tradições e às formas delineia com
bastante força o próprio modo de ser do ensino universitário. É que o aludido
distanciamento, se existe fora do ambiente universitário, não é menos real
também dentro das salas de aula – com raras e muito honrosas exceções, justiça
feita.
Assim, não são incomuns
aulas nas quais o Professor regente da matéria – da cadeira, como aqui se diz –
profere uma brilhante palestra, admita-se, mas sem qualquer espaço para a participação
dos estudantes e a formulação de questões. Esta lacuna acaba por retirar um
pouco do brilho das aulas “magistrais” – para adotar mais uma terminologia
muito cara a esta Casa Universitária.
Quando se senta em um
banco escolar conimbricense logo se nota, ao menos nas aulas “magistrais”,
outra diferença central entre as maneiras de se lecionar o direito. De fato, o
ensino em Coimbra, tal qual já era de se esperar, é especialmente acadêmico, é
dizer, privilegia-se uma sólida formação teórico-doutrinal, ao passo que na
Faculdade de Direito ponta-grossense o ensino é prático-problemático. Noutro
falar: exceções ressalvadas, os Professores da Universidade Estadual de Ponta
Grossa colocam a ênfase na resolução de problemas concretos, voltando-se, muitas
vezes, para as atividades forenses, e pouquíssimas vezes para a atividade
acadêmica.
Além disso, não se pode
passar por este ponto sem tecer algumas considerações sobre o famigerado ensino
“manualesco” do direito. É que, infelizmente, e com as sempre honrosas
exceções, cuja menção é despicienda porquanto de todos conhecida, repetidamente
se transveste sob um ensino supostamente “prático” uma insuficiência teórica,
que se traduz em lições doutrinariamente rasas e com raras reflexões teóricas,
assentadas, daí a terminologia usada acima, em manuais destituídos de maior
profundidade conteudística – quando não em apostilas que apostam alto na
memorização de macetes para concursos. No cerne deste problema – o da baixa
densidade teórica de muitas lições – encontra-se este outro, muito conhecido e
praticamente inegável: o ensino do direito tornou-se, na imensa maioria das
Universidades brasileiras, um ensino “concurseiro”.
É que com a explosão do
mercado dos concursos, propiciada pela estabilidade financeira que o empregador
Estado garante, nem as Universidades escaparam da corrente de afeiçoamento do
mundo jurídico aos programas dos editais publicados pelo Poder Público. Mais
claramente: os bancos universitários deixam, progressivamente, de formar
acadêmicos e cidadãos com capacidade de reflexão para formar concurseiros
especialistas em memorização, e assim, e cada vez mais, perdem sua identidade e
confundem-se com os “cursinhos preparatórios”.
Não se está aqui a fazer
uma crítica direcionada aos concursos, propriamente ditos, nem aos ditos
“cursinhos” e muito menos aos referidos profissionais. O âmbito da reflexão é
bem menos extenso: apenas se está a afirmar que o ensino universitário não pode
perder a sua essência crítica, reflexiva, socialmente engajada, politicamente
responsável pelas questões debatidas na comunidade em que se insere, e nem o
ensino do direito pode prescindir de uma profunda formação teórica e de uma
sempre presente reflexão problematizante. Docentes e discentes, ambos, tem este
dever e este direito.
Neste sentido, como era
de se esperar, a Universidade de Coimbra tem uma invejável influência na
sociedade portuguesa. Apenas para dar um pequeno exemplo, visto que, se
aprofundasse esta questão incorreria num indesejado desvio de rota, diversos
professores da sua Faculdade de Direito estão diretamente relacionados às mais
importantes reformas legislativas lusitanas das últimas décadas: o Código de
Processo Civil (J. Alberto dos Reis), o Código Civil (Vaz Serra, Pires de Lima
e Antunes Varela), a legislação fiscal (Teixeira Ribeiro), o Código Penal
(Eduardo Correia), a legislação comercial (Ferrer Correia) e o Código de
Processo Penal (Figueiredo Dias) constituem os casos mais destacados desta
dialética relação da Escola com a sociedade.
Feita esta breve e
necessária digressão, importa sublinhar, ainda no que diz com a sistemática de
ensino, que o mencionado acento que a Escola de Coimbra coloca na formação
teórica não importa, necessariamente, no distanciamento em relação à realidade
jurídico-forense subjacente, na medida em que existem, ao lado das “aulas
magistrais” (ou aulas teóricas), as aulas “práticas”. Explica-se: a carga
horária de cada disciplina da licenciatura, em geral, é de cinco horas por
semana. De regra, estas cinco horas dividem-se em três horas para as aulas
teóricas e duas horas para as aulas práticas. Se, por um lado, as aulas
teóricas funcionam aos moldes descritos acima, as aulas práticas se constituem
duma sistemática bastante parecida com as aulas da UEPG. Ou seja, existe uma maior
interação entre o professor e o aluno, que, agora sim, está expressamente
autorizado, e até mesmo incentivado a formular perguntas e participar mais
ativamente da aula. Neste tipo de aula, como se pode depreender de seu nome,
enfatiza-se a resolução de casos práticos e a discussão de problemas
concretos.
Já por esta carga
horária semanal das aulas é possível compreender outra diferença importante
entre as duas Universidades: o tempo de dedicação, seja de professores, seja de
alunos. Aqui poderíamos abordar uma ampla plêiade de razões, mas, certamente,
fugiríamos ao escopo inicial deste texto. A verdade é que no Brasil, ou ao
menos em nossa instituição, os alunos iniciam seus estágios de forma precoce,
em muitos casos permitem que esta atividade ocupe todo o seu tempo disponível,
e, ainda, não raras vezes o tempo dedicado ao estágio é intelectualmente pouco
frutuoso. Se não é este o único motivo da falta de tempo dedicado a um estudo
teoricamente mais sólido, dificilmente se poderá negar sua centralidade na
abordagem da questão.
Por outro lado, o
escasso tempo – ressalvem-se as exceções – que os professores de direito
dispõem para as atividades típicas da carreira docente é sintomática de um
problema de fundo muito maior, ao qual não posso, aqui, dedicar maior espaço,
mas apenas traçar-lhe alguns contornos: ocorre que a grande maioria dos
docentes da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa
acumulam a esta profissão outra, por vezes mais do que uma. Professores
dedicados integralmente à carreira acadêmica ainda são poucos, mas, felizmente,
cada vez em maior número. Não obstante, quando se observa a questão sob uma
perspectiva oposta, pode-se compreender que o problema de fundo, ao qual fiz
menção anteriormente, na verdade consiste, possivelmente, na falta da justa
valorização da carreira docente, constatação que nos leva, por sua vez, ao
problema de todo o sistema educacional brasileiro, que reclama com urgência uma
reforma estrutural. Todavia, conforme já se disse, esta discussão não constitui
objeto deste trabalho.
Conexiona-se a esta
realidade um outro obstáculo que esperamos vencer nos próximos anos: a
inexistência de um programa de pós-graduação strictu sensu especificamente jurídico na Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Existe, como se sabe, o Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais Aplicadas, cujo corpo docente é composto por alguns professores da
Faculdade de Direito e em cujo corpo discente se encontram também alunos
oriundos da área jurídica. Todavia, em que pese a qualidade do referido
Programa e de sua Revista – “Emancipação” – já é passado o momento da abertura
de um programa de mestrado em ciências especificamente jurídicas.
Para tanto, faz-se,
desde logo, imprescindível que a cultura da pesquisa que se tem instalado,
sobretudo nos últimos anos, dentro da Faculdade de Direito seja ampliada e
incentivada, traduzindo-se, assim, no aumento de linhas de pesquisa coordenadas
pelos professores, na qualificação de suas titulações acadêmicas e na
multiplicação do atual número de publicações científicas, seja de professores,
seja também dos alunos.
Por fim, se no que
respeita às pesquisas científicas ainda temos uma longa caminhada, há que se
ressaltar, sob pena de grave injustiça, o salutar trabalho de
internacionalização da Universidade Estadual de Ponta Grossa que tem sido
desempenhado nos últimos anos. Certo é que a Universidade de Coimbra recebe
estudantes de toda parte da Europa – com destaque quantitativo para espanhóis,
seguidos pelos italianos – e que tem no cosmopolitismo de seu corpo discente
uma marca famosa e já plurissecular. Contudo, isto em nada retira o mérito da
UEPG neste sentido.
De fato, a Universidade
Estadual de Ponta Grossa firmou convênios e abriu portas em importantes
instituições européias, com especial destaque para as casas portuguesas. Prova
cabal do que se diz é que, limitando-se ao Curso de Bacharelado em Direito –
âmbito ao qual se circunscreve este texto – existem, atualmente, dois
acadêmicos realizando mobilidade acadêmica na Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra – vale lembrar que são disponíveis apenas duas vagas –
e um acadêmico na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, instituição na
qual, aliás, mais dois acadêmicos realizaram o mesmo programa no semestre
passado. Noutras palavras, apenas um semestre após a abertura do primeiro
edital, já são cinco os acadêmicos da Faculdade de Direito da UEPG que tiveram
a oportunidade de uma temporada de estudos em solo português. Os primeiros
passos, pensamos, são bastante satisfatórios.
Pois bem. Penso ter
atingido o objetivo ao qual me propus no início desta reflexão: esboçar um
quadro geral sobre pontos de comparação entre minha instituição de origem e a
instituição que ora estou frequentando. Evidentemente, a reflexão foi breve, e
muitos outros pontos poderiam ter sido cotejados. Todavia, do que se disse é
possível depreender algumas considerações.
Ainda precisamos
investir, e fortemente, em infra-estrutura, seja no que respeita às instalações
físicas ou à tecnologia, seja no que diz com a nossa biblioteca, cujo acervo é
ainda muito parco. Também urge a implementação de um programa de pós-graduação strictu sensu, que somente será possível
se as atividades de pesquisa forem ainda mais valorizadas, bem como se mostra
importante um aprofundamento na formação teórica tanto de discentes quanto de
docentes. É inegável, contudo, que nos últimos anos passamos por um processo de
renovação do quadro docente que se mostrou muito salutar. Em boa medida por
força disto, estamos retomando a senda da pesquisa científica e das
publicações, baluartes de qualquer Faculdade de Direito que se pretenda
qualificada. O programa de mobilidade estudantil institucional está a pleno
vapor, o que também nos enche de esperança para os anos vindouros. Estes
fatores, somados à integração que existe entre professores e alunos, radicada
num relacionamento de proximidade desconhecida em Portugal, fazem-nos crer que
estamos caminhando – ainda que não a passos tão largos como talvez desejássemos
– para um rumo certo, em que ensino, pesquisa e extensão públicos, gratuitos e
de qualidade não se limitarão a uma retórica idealista e eleitoreira.
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