objetiva propagar idéias, notícias, informações que possam aprimorar todas as formas de conhecimento.
Menu Principal
quarta-feira, 20 de março de 2013
Defensoria Pública nos EUA
“Defensoria Pública nos Estados Unidos está quebrada”
Por João Ozorio de Melo
Em 18 de março de 1963, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão
histórica, que prometia mudar para sempre a configuração do sistema
americano de Justiça. No caso "Gideon v. Wainwright", a Corte decidiu
que todo cidadão tem direito a um advogado, mesmo que não tenha
capacidade de pagar. “Advogado em um tribunal criminal é uma
necessidade, não um luxo”, declarou a Suprema Corte. E dessa decisão,
nasceu a Defensoria Pública nos EUA.
Nesta segunda-feira (18/3/13), a promessa de justiça para todos
completa 50 anos “totalmente irrealizada”, de acordo com uma série de
artigos publicados pelo The National Law Journal, para comemorar uma
data sobre a qual não há nada para celebrar. "A Defensoria Pública dos
Estados Unidos está quebrada”, disse ao jornal o presidente da
Associação Nacional dos Defensores Públicos, Steven Benjamin. “Não se
pode confiar na instituição para proteger as pessoas contra
condenações indevidas”, afirmou.
De acordo com um estudo recente da American Bar Association (ABA),
milhares de pessoas são processadas nos tribunais do país todos os
anos, sem qualquer advogado. Em outros casos, os defensores públicos
estão tão sobrecarregados que não têm tempo ou recursos para oferecer
uma defesa apropriada aos “indigentes”. Hoje, faz parte da rotina
juízes e promotores pressionar os réus a se declararem culpados, mesmo
sem um advogado, para simplificar o processo.
A situação mais grave é das pessoas que são presas por pequenos
crimes. “Em muitas jurisdições, os réus permanecem em cadeias por mais
tempo do que se fossem condenados à pena máxima por seus pequenos
crimes. E, mesmo assim, nunca recebem a visita de um advogado”, diz o
jornal.
Em Mississipi, uma mulher acusada de roubar um produto em uma loja
passou 11 meses na cadeia, sem ver um advogado. Outra mulher, acusada
de roubar US$ 200 de uma máquina caça-níqueis, passou oito meses na
cadeia, antes de conseguir um advogado. De acordo com um relatório de
2011, 70% dos réus de pequenos crimes, sem advogados, se declaram
culpados em um encontro com promotores que dura, em média, 2,93
minutos, informa o jornal.
Mesmo quando os réus têm acesso a um defensor público, é pouco
provável que tenham uma defesa adequada, por causa da sobrecarga de
trabalho e dos parcos recursos da Defensoria. De acordo com os padrões
da ABA, um defensor público só tem condições de se encarregar de 150
casos de crimes sérios por ano — ou 500 casos de pequenos crimes por
ano. Mas essa carga de trabalho é sempre estourada nos estados.
Na Geórgia, os defensores públicos foram obrigados a cuidar de 250
casos de crimes dolosos em 2012. Em Kentucky, a carga foi de cerca de
500 processos. Em Nova York, Maryland, Rhode Island e Tennessee, cada
promotor recebeu pelo menos mil processos relativos a pequenos crimes,
cada um.
Em Missouri, a Defensoria Pública tem uma carência de pessoal tão
grande que o diretor da repartição declarou, publicamente, que os
defensores estavam fazendo uma “triagem” dos casos tão grande, que
muita gente estava sendo condenada erradamente. Em Maryland, um
tribunal de recursos determinou que, por lei, os réus têm direito a um
defensor público até em audiências para estabelecer fiança. Mas, para
isso, a Defensoria precisava de recursos. Em vez de prover os
recursos, a Assembleia Legislativa mudou a lei, para acabar com a
obrigação.
Além da falta de recursos, os defensores públicos em todo o país têm
de lidar com a falta de independência para fazer seu trabalho. Em
algumas jurisdições, por exemplo, os juízes já estão tão cansados do
problema que preferem nomear defensores que concordam rapidamente com
as declarações de culpa propostas pela Promotoria. Na maioria dos
estados, os defensores são nomeados por governadores ou por comissões,
que estão mais interessados em quantidade do que em qualidade da
representação.
“Politicamente, é uma atitude popular prover recursos financeiros para
a Polícia e para a Promotoria, mas não para a Defensoria Pública, que
cuida da defesa de indigentes”, disse o professor de Direito e
Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia,
Stephanos Bibas. “A solução para o problema é simples: infusão de
fundos. Mas ninguém tem vontade de fazer isso”, afirmou.
A consequência é que os defensores públicos não têm tempo e recursos
para investigar os casos, enquanto, do outro lado, os promotores fazem
isso com a ajuda da Polícia. Em muitos casos eles sequer se encontram
com os réus, antes dos julgamentos, e nunca protocolam qualquer pedido
a favor deles ou colocam objeção a provas inadmissíveis.
O problema não é exclusivo da área criminal. Entre os imigrantes
presos por falta de documentação para permanecer no país, 90%
comparecem a um tribunal sem advogados. Nos tribunais civis, 99% dos
americanos que enfrentam processos relativos à recuperação de suas
casas por instituições financeiras, por falta de pagamento — devido à
crise do sistema habitacional no país, pela qual as instituições
financeiras foram parcialmente responsabilizadas — se defendem por
conta própria.
A promessa de Gideon
A referência à criação da Defensoria Pública nos EUA como “a promessa
de Gideon”, porque Clarence Earl Gideon foi o primeiro cidadão
americano a ser beneficiado pela decisão da Suprema Corte dos EUA —
uma decisão que prometeu mudar todo o sistema judicial do país. Mas,
antes, o direito à defesa por advogado público lhe foi negado na
Flórida.
Acusado de roubo, mas jurando inocência, Gideon pediu ao tribunal que
nomeasse um advogado público para defendê-lo. Entretanto, uma decisão
da Suprema Corte dos EUA de 1942 (Betts v. Brady) negava aos réus
julgados em tribunais estaduais o direito à assistência jurídica
prevista na Sexta Emenda da Constituição, sem que fossem atendidas
determinadas condições.
Os estados só eram obrigados “a apontar um advogado para réus
indigentes em circunstâncias especiais, em casos em que um advogado se
encarregaria de assegurar a justiça fundamental”. As circunstâncias
não ajudaram Gideon. Ele não seria condenado à pena de morte, não era
analfabeto, nem tinha problemas mentais. E seu caso não era
particularmente complexo.
Gideon protestou veementemente contra sua condenação à prisão, por se
dizer inocente. Mas foi para a cadeia. No entanto, seu caso acabou na
Suprema Corte dos EUA. Mesmo sem ele saber, a maioria dos ministros da
Suprema Corte declararam que a lei, baseada em Betts, criou “sistemas
de justiça criminal nos estados que criaram desigualdades e injustiças
desenfreadas”. Para os ministros, “qualquer pessoa arrastada a um
tribunal, que não pode contratar um advogado por ser pobre, não pode
ter um julgamento justo, a não ser que um defensor lhe seja
garantido”. E mudou o sistema.
Direito Constitucional
Segundo a Wikipédia (em inglês), os Estados Unidos foram o segundo
país do mundo a correlacionar o instituto da Defensoria Pública à
Constituição, justamente com a decisão da Suprema Corte de 1963, que
estendeu o direito à assistência jurídica a todas as pessoas pobres,
sem estabelecer condições.
O Brasil foi o primeiro, diz a publicação, a garantir um defensor
público às pessoas de baixa renda na Constituição. E também foi o
único a fazê-lo diretamente. A Defensoria Pública foi inicialmente
criada no Rio de Janeiro, em 1897, através de um decreto governamental
que alocou fundos para a assistência jurídica. A Constituição de 1937
estendeu o sistema para todo o país. Mas a Constituição de 1988 foi a
que deu maior eficácia à instituição, diz a Wikipédia.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos
Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2013
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário